Cartografando África no século XXI

Na entrada do novo milénio, África surge como uma zona estratégica para o mundo, não só para a Europa, os EUA e a Rússia mas também para as cada vez mais determinantes potências económicas, como a China, a Índia e mesmo o Brasil. Portugal apressa-se igualmente a reforçar a sua presença neste continente através das antigas colónias, especialmente em Angola. Como base para o conhecimento do território está obviamente a cartografia. O Google Maps aponta como seu objectivo a curto prazo a execução da cartografia deste continente utilizando as novas tecnologias de aquisição de dados e a colaboração das pessoas através do Google Map Maker, uma plataforma colaborativa ao estilo da Wikipédia. Uma componente importante da cartografia é o relevo, que é definido normalmente a partir do conhecimento das altitudes de pontos sobre a superfície terrestre. Actualmente, a aquisição deste tipo de dados a nível continental ou mesmo global é afectuada através de sensores instalados em satélites ou aeronaves. Até agora, o exemplo de maior sucesso é a SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), levada a cabo pelos EUA (NASA e NGA), com a colaboração das agências espaciais alemã (DLR) e italiana (ASI). Esta missão, realizada durante o ano 2000, conseguiu determinar altitudes de pontos sobre a superfície terrestre (excepto nas regiões polares), de 90 em 90 metros, através de um sistema de radar instalado num vaivém espacial (space shuttle).


Modelo digital do Quilimanjaro,
obtido de partir de dados do SRTM



Aproveitando esta experiência bem sucedida, encontra-se actualmente em execução a missão TanDEM-X (TerraSAR-X add-on for Digital Elevation Measurement) coordenada pela agência espacial alemã. Este sistema mais avançado, composto por dois satélites separados por poucas centenas de metros entre si, pretende ir mais além do que foi conseguido pela SRTM, tendo como objectivo principal construir um modelo do relevo de todo o globo, incluindo as regiões polares, ainda com mais detalhe e maior exactidão que o da SRTM. No entando, para calibrar e avaliar a exactidão das altitudes medidas pelos sensores são necessários pontos medidos no terreno, ao longo dos vários continentes. As coordenadas destes pontos são medidas através de um GNSS (Global Navigation Satellite System), como é o caso do GPS (Global Positioning System). Será então este o contexto em que serão efectuadas estas expedições no continente africano, no sentido de obter os dados do terreno para o projecto TanDEM-X.


TanDEM-X


PS: Finalmente o sistema espacial está completo. [Ver aqui ou aqui]

De Angola à contracosta

Uma parte da expedição contempla cruzar alguns dos caminhos já percorridos pelos antigos exploradores portugueses, entre o Atlântico e o Índico, de Luanda a Dar Es Salaam. No entanto, por razões de logística e de calendário, planeamos iniciar a primeira etapa pelo lado do Índico, tendo Nairóbi como ponto de partida. O percurso por Angola será deixado para mais tarde. Esta travessia será então dividida em duas partes: Quénia, Tanzânia e Zâmbia e, mais tarde, Angola. Em suma, o objectivo fulcral desta primeira expedição será efectuar medições GNSS ao longo de quase cinco mil quilómetros, unindo o oceano Índico ao Atlântico, registando dados que irão permitir obter as coordenadas de alguns milhões de pontos.

Trajecto planeado

O início destas expedições já está marcado para dia 13 de Junho, sendo a equipa portuguesa constituída por três engenheiros geógrafos: Rui Fernandes e Jorge Santos, mentores deste projecto, e André Sá. Em Nairóbi iremos encontrar o resto da equipa, composta por um topógrafo queniano - Charles Muya - e por dois motoristas - Albert Mukabi e James Mutua - encarregues de conduzir os dois todo-o-terreno que nos irão transportar até às portas de Angola, fazendo depois o retorno a Nairóbi. Está previsto que o primeiro troço irá ser entre Nairóbi e Dar Es Salaam, passando por Mombaça.

Os engenheiros geógrafos portugueses:
Jorge Santos, André Sá e Rui Fernandes



As duas equipas completas, antes da partida, nas instalações do RMRCD,
em Nairóbi: Rui, André, Albert, Jorge, James e Muya

Pelo norte do golfo da Guiné

A ideia inicial seria executar outra travessia de costa a costa, mais a norte, desde Conacry até ao Mar Vermelho, no Sudão. No entanto, a instabilidade no Chade e no Sudão obrigaram-nos a eliminar esses dois países. Consequentemente, estamos a prever chegar às portas do Chade, ficando a entrada nesse país condicionada às condições que encontrarmos na altura. O apoio logístico, neste caso, será dado por uma equipa no Gana, o que nos obriga a fazer o circuito Accra-Conacry-N'Djamena(?)-Accra através de uma dúzia de países. Porém, estamos a prever também a hipótese de começar por voar para Lagos, na Nigéria, onde temos igualmente contactos e onde poderemos tratar de alguns vistos para entrar nos países da região. Portanto, o maior problema que se coloca para já tem origem no facto de quase todos os países que pretendemos atravessar não terem representação diplomática em Portugal, o que nos poderá obrigar e ir ainda a Paris, para tratar dessas burocracias. De Lagos voaremos então para Accra, onde iniciaremos o percurso terrestre com dois colegas ganeses e dois motoristas, formando assim duas equipas. Esta expedição contará apenas com dois elementos portugueses, liderando cada um uma equipa: Rui Fernandes e Jorge Santos.

Percursos previstos

De malas quase aviadas

Finalmente conseguimos reunir todo o equipamento necessário à expedição. Cada uma das duas equipas terá de montar um receptor GNSS de dupla frequência no todo-o-terreno, cuja antena será acoplada sobre o tejadilho, através de um sistema magnético. Ao longo de cada trajecto, para além dos dados captados pelos receptores, será ainda efectuado um registo de todos os pontos considerados de interesse para o projecto, através de anotações, fotografias e vídeos. Os pontos de interesse mais importantes serão aqueles de delimitem zonas urbanas ou de floresta ao longo do caminho, onde a captação dos sinais dos satélites possa ser dificultada. Será efectuado também o registo da toponímia e de cruzamentos com rios, estradas, vias férreas e linhas de alta tensão. Este registo contemplará ainda todos os eventos anormais que possam interferir com o nosso trajecto, tais como o mau estado da estrada, obras, controlos da polícia e erros de navegação. Por isso, para além do equipamento de medição, levaremos receptores GPS de navegação, mapas, máquinas fotográficas e de filmar, computadores portáteis e ainda vários discos externos e muitas memórias flash, para realizar múltiplas cópias de segurança, de modo a que nenhum dado se perca. Para alimentar todos estes dispositivos electrónicos, além de baterias extras, levamos dispositivos que permitem efectuar carregamentos a partir do isqueiro dos carros. Para comunicação entre as duas equipas, iremos utilizar telemóveis, com cartões comprados localmente, para minimizar as despesas.

Receptores GNSS a utilizar no projecto

14 de Junho: partida de Nairóbi

Quarto no Roasters Inn, em Nairóbi


O voo de Lisboa a Nairóbi correu sem problemas de maior, havendo sempre a questão de passar com o equipamento nos vários pontos de controlo dos aeroportos. Após uma noite bem dormida no Roasters, matando saudades da nossa estada nesse mesmo hotel no ano anterior, durante a nossa expedição ao Quilimanjaro, fomos recebidos pelos nossos parceiros quenianos, nas instalações do Regional Centre for Mapping of Resources for Development (RCMRD, www.rcmrd.org), que é uma organização inter-governamental que agrega 15 países do Este e do Sul de África sob a égide das Nações Unidas, e que nos deu apoio logístico neste projecto.





Instalação e verificação do equipamento

Pormenor da antena GNSS externa fixada no tejadilho através de
uma base magnética

Veículo já equipado com o sistema 

 Instalámos então o nosso equipamento nos todo-o-terreno e medimos a altura das antenas em relação ao solo. Após alguns percalços de última hora, iniciamos a nossa jornada, seguindo em direcção a Mombaça, já com algum atraso mas dentro dos parâmetros de África. Esta etapa inicial vai servir essencialmente para testar os nossos procedimentos no terreno e para limar algumas arestas.

Início da viagem pela estrada de Mombaça

Ave enorme pousada num portão à beira da estrada

15 de Junho: até Mombaça

Troço da estrada Nairóbi-Mombaça em obras


O primeiro troço, que tinha começado em Nairóbi, acabou por terminar em Voi, que é a maior cidade antes de chegar a Mombaça. O atraso na partida obrigou assim a passar a noite nessa cidade e não em Mombaça, como estava planeado.  Os quartos onde dormimos tinham rede mosquiteira. O problema é que havia mais mosquitos dentro da rede do que fora, o que, juntamente com o calor, não foi um grande contributo para o nosso repouso.
 A parte inicial deste troço foi um pouco lenta, dado que apanhámos a estrada em construção, o que nos obrigou a percorrer atalhos bastante esburacados, entre os muitos camiões que fazem o transporte de mercadorias entre o porto de Mombaça e a capital. Foi um bom teste ao dispositivo magnético de fixação da antena GPS ao tejadilho do jipe. Houve alguns problemas de sintonização na velocidade das duas equipas, de modo a manter um intervalo de cerca de 45 minutos entre elas, mas o teste acabou por correr bem.
Voi


Girafas ao longe


Rui Fernandes perto dos elefantes à beira da estrada

O troço foi completado no dia seguinte, entre Voi e Mombaça em poucas horas, dado que a estrada era boa e os nossos procedimentos começavam a estar mais automatizados. No caminho, passámos por uma pequena manada de elefantes, comandada por um macho imponente, que descansava à sombra de umas árvores, a poucos metros da estrada. Terminámos o troço no Forte Jesus, dado ser um vestígio importante dos portugueses nesta região.

Forte Jesus

15 de Junho: pela costa do Índico, até Dar Es Salaam

Legenda sobre uns desenhos a carvão efectuados por marinheiros portugueses
Inscrições enganadoras... também havia "Low Level" e "Ladies".
Serviam para designar casas de banho com ou sem sanita.

Após uma visita rápida ao forte, seguimos imediatamente para o Likoni Ferry que nos levaria a atravessar o braço de rio que contorna a cidade a sul, designado por Kilindini Harbour, por onde se estende o porto comercial. Saímos assim em direcção à capital da Tanzânia. A zona a sul de Mombaça parece bastante fértil, sendo muito verdejante e povoada por inúmeras palmeiras. Na fronteira, puxando para uma conversa bem humorada acerca de futebol com o funcionário, onde o incontornável CR7 teve de entrar, o nosso visto em trânsito acabou por passar dos habituais 2 dias, para 14. A estrada depois da fronteira é de terra batida durante bastantes quilómetros, o que nos obrigou a reduzir a marcha.
A chegada Dar Es Salaam dá-se já perto da meia noite, o que é bastante tarde para o estilo de vida africano. Felizmente, o nosso contacto na cidade já nos tinha reservado quartos num hotel.

Fim do dia, na zona de Tanga, Tanzânia.